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DA LIBERDADE É QUE A

UNIVERSIDADE FLORESCE

 Renato Silveira Costa

Edward Madureira Brasil é reitor da Universidade Federal de Goiás. Engenheiro Agrônomo, formado pela escola de agronomia da UFG, em 1984, tem Mestrado e Doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas na mesma instituição. Foi reitor também nas gestões 2006 e 2010. Reeleito para o atual mandato, em 2018, se posiciona na defesa do Ensino Superior público, gratuito e de qualidade. O Portal Berra Lobo perguntou a ele sobre os desafios para 2020, diante do avanço do neoliberalismo, das ameaças aos recursos da educação e dos riscos à autonomia das universidades, no contexto de austeridade, privatizações e de ataque às instituições públicas.

berra lobo: Boa tarde, caro reitor, é um prazer estar aqui. Se me permite, gostaria de citar um breve trecho de um discurso do senhor proferido no momento de sua posse, em que você diz:

 

“Queremos reafirmar nosso compromisso absoluto definitivo com o sistema Federal de educação superior público, gratuito, autônomo, laico, de qualidade inclusiva, democrática e socialmente referenciada. Que inequivocamente se constitui no maior patrimônio do povo brasileiro. Somente com esses requisitos implementados aqui continuaremos construindo esse sistema essencial à nação”.

Esses requisitos apresentados pelo senhor naquele momento estão hoje ameaçados?

Professor Edward: Sem dúvida nenhuma! Nós vivemos um momento onde muito desses valores, muito dessas características estão sendo questionadas, estão sendo de alguma forma atacadas, e por nenhum momento a gente se distancia ou se afasta delas. Muitas questões, principalmente no que diz respeito à autonomia universitária. Vem sendo dilapidada, vem sendo de alguma forma sofrendo com problemas muito graves. Mas, a questão da inclusão, da democracia, ainda está valendo. Em que pese nós já termos algumas instituições e também a vontade da comunidade universitária não sendo respeitada.

berra lobo: Recentemente, falando de conjuntura, houve o desbloqueio do contingenciamento anunciado pelo MEC de 1.1 bilhão de reais, no início de outubro. Essa medida se efetivou em repasse à UFG? É suficiente para terminar o ano de 2019?

 

Professor Edward: Não. É, a medida se ativou. Depois desse desbloqueio de 1.1 bilhão houve um novo desbloqueio. Hoje a gente tem 100% dos nossos recursos de custeio liberados. Mas como a gente dizia desde o início, nós já convivemos alguns anos com orçamento menor do que as nossas despesas, então temos dificuldades de fechar o ano com as contas em dia. Não fecharemos o ano com contas em dia porque o orçamento é insuficiente.

“Muitas questões, principalmente no que diz respeito à autonomia universitária. Vem sendo dilapidada, vem sendo de alguma forma sofrendo com problemas muito graves”

A situação seria muito mais grave se o bloqueio persistisse. Com desbloqueio a situação é semelhante à dos anos anteriores, que é uma situação crítica. A gente começa o ano ainda com boa parte das nossas despesas em aberto, do ano anterior, o que exige de todos nós um esforço muito grande de redução de custos que já chegaram no limite.

 

Não há mais espaço para redução, ao contrário, há um crescimento vegetativo dos nossos reajustes de contratos que são previstos em lei pelo crescimento da universidade, que não para de crescer mesmo no ambiente onde não há políticas para crescimento. Novos cursos de pós-graduação surgem, novos laboratórios sendo implementados pelo esforço do pessoal docente e assim por diante.

berra lobo: No contexto de anos anteriores, nessa lógica implementada pelo governo Temer, um contexto limitante que vem nessa lógica da austeridade, do teto dos gastos, do desinvestimento. Com o anúncio do “Future-se”, que esteve em pauta no último semestre, que é esse programa federal que prevê a captação de recursos privados pela universidade pública, apesar de que esteja dito que seja voluntário. Hoje temos, na sua visão, um governo disposto a radicalizar nas privatizações?

Professor Edward: Os sinais apontam nessa direção, mas é bom trazer alguns elementos para esse debate. Muito daquilo que o programa “Future-se” apresenta, as universidades brasileiras já o fazem. Nós captamos recursos para além do orçamento. Captamos tanto na iniciativa privada quanto no próprio setor público, em outros ministérios, governos estaduais e municipais. Em outros poderes como o legislativo, o judiciário. A universidade é um agente de desenvolvimento que dialoga com todos os atores da sociedade, inclusive com as empresas.

 

A questão mais grave do “Future-se” nem é essa questão da captação de recursos, a questão mais grave do “Future-se” é justamente a quebra da autonomia universitária, seja com contrato de gestão, ou agora, na nova versão, com contratos de desempenho e outros instrumentos que trazem complicações na questão da gestão.

 

E aí, mais um registro, nós não somos contrários a aperfeiçoar a gestão da universidade, só que não podemos pensar que a universidade é um ente que pode se submeter a essa lógica de mercado. Se assim o for, nós teremos desequilíbrio enorme entre áreas de conhecimento. Algumas áreas do conhecimento poderão sucumbir a essa lógica colocada e por isso nós estamos nos preparando para as grandes discussões do ano que vem no âmbito do Congresso Nacional em relação às propostas do governo.

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Foto: Leoncio Silva

berra lobo: Ainda segundo sua análise, a qual política de ensino essa entrada do mercado de maneira muito mais arriscada na gestão da universidade aponta? Pra um ideal de ensino diferente do que a gente tem hoje?

 

Professor Edward: Olha, na universidade, um dos nossos maiores valores, sem dúvida nenhuma, é a liberdade para trabalhar os conteúdos.  Aqui nós não nós não fazemos nenhum tipo de patrulhamento, de nenhuma natureza, em relação àquilo que as pessoas pesquisam, àquilo que as pessoas produzem, àquilo que as pessoas ensinam. Claro, respeitado os nossos projetos pedagógicos dos cursos que são acompanhados pelos órgãos de controle e também pelas nossas instâncias internas de concepção curricular.

 

O maior valor da universidade é justamente essa liberdade e é justamente em função dessa liberdade que a universidade floresce tanto e que tantas coisas novas, com impacto enorme na sociedade surgem justamente da reflexão que as pessoas podem fazer. Então valorizar a pluralidade de ideias, valorizar a liberdade de pensamento são questões que não podemos de maneira nenhuma abrir mão e não podemos, é claro, pensar numa universidade que vai atuar somente naquilo que se está se enxergando logo ali na frente como resultado prático com esse pragmatismo. Universidade não funciona assim. Se assim fosse, não teríamos cursos na área de cultura, arte, filosofia e outras que são tão questionadas pelo governo atual. Então nós defendemos acima de tudo a pluralidade e a liberdade na universidade.

“Muito daquilo que o programa Future-se apresenta, as universidades brasileiras já o fazem (...) Captamos tanto na iniciativa privada quanto no próprio setor público, em outros ministérios, governos estaduais e municipais. Em outros poderes como o legislativo, o judiciário”

berra lobo: Nessa lógica de mercado, o senhor enxerga uma ideologia explícita ou estratégia muito mais de idas e vindas em que a conveniência é mais importante?

 

Professor Edward: Eu prefiro atribuir isso a uma falta de conhecimento profunda do como funciona a universidade. A universidade hoje ela é tachada ou rotulada com determinadas marcas que não condizem com a realidade da universidade. É claro que a universidade incomoda, a universidade é o lugar da crítica, da contestação. Nesse contraditório que a gente cresce, valendo sempre do debate respeitoso, o debate no campo das ideias, na construção do conhecimento e certamente isso incomoda muitos atores que veem na universidade uma ameaça porque a universidade é essencialmente libertária.

berra lobo: O senhor já disse que o ano que vem haveria esse embate político no Congresso Nacional, existem outras perspectivas mais ou menos positivas para 2020 em relação a essa mesma política?

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Professor Edward: Existem. A gente percebe no Congresso outros os movimentos para além dos movimentos do Poder Executivo. Atualmente nós temos uma proposta de emenda constitucional, de uma deputada do Paraná, que traz alguns elementos que apontam conquistas de alguns aspectos da autonomia universitária. Estou falando especificamente da arrecadação e da utilização, da arrecadação de recursos por parte da universidade, e utilização desses recursos. Novos recursos próprios que atualmente são limitados, a sua utilização é limitada pelo teto dos gastos, nessa emenda a utilização é liberada, é facultada à universidade, ou seja, na condição atual não adianta a gente captar mais recursos porque a gente não pode utilizar. Por essa proposta de emenda constitucional a universidade passa a poder usar.

Da mesma forma, nós temos uma lei já antiga que estava um pouco adormecida no Congresso que trata da autonomia universitária, do deputado estadual do Maranhão, Gastão Vieira, e esse projeto de lei já está sendo discutido no congresso Nacional. Então é nesse cenário que o “Future-se” deve chegar ao Congresso. Tem essa PEC, tem essa lei, tem outras leis de interesse das universidades, como a lei que torna os fundos que existem no governo em fundos financeiros que têm obrigatoriedade de aplicação. Apesar de que as medidas dessa semana, apresentada pelo Governo Federal, de algumas PECs também lançam mão desses fundos para outras finalidades, mas teremos sem dúvida nenhuma um ano de muita efervescência que exigirá muito de nós no debate com a sociedade também.

Imagem: Heloisa Sousa

“Aqui nós não fazemos nenhum tipo de patrulhamento, de nenhuma natureza, em relação àquilo

que as pessoas pesquisam,

àquilo que as pessoas produzem, àquilo

que as pessoas ensinam”

berra lobo: Segundo informações do portal do Ministério da Educação, o governo lançou o programa “Educação em Prática”, através da qual as instituições de ensino superior vão abrir as portas das faculdades para que alunos do Ensino Básico ampliem seus conhecimentos. Os estudantes do Ensino Médio, e também os do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental, terão oportunidade de colocar o aprendizado da sala de aula em prática.

Ainda segundo o MEC, a iniciativa vai proporcionar um maior conhecimento para que os estudantes decidam o que querem cursar e etc. Coisa que o “Espaço das Profissões”, de alguma maneira, já mediava como um programa continuado. Complementando esse programa, o ministro Weintraub afirmou:

 

“A eficiência na gestão é a cara do governo do Presidente Jair Bolsonaro. Nós estamos dando espaço para o setor público, mas também há espaço para iniciativa privada contribuir”.

 

O programa “Educação em Prática” conta com financiamento do Banco Mundial e uma reforma do Ensino Médio e orientada pela iniciativa privada. Como o senhor avalia este programa, se é que teve ciência? A UFG estaria apta para receber esse tipo de iniciativa e haveria riscos envolvidos?

Professor Edward: Primeiro a gente precisa conhecer um pouco melhor. A gente teve um primeiro contato com a ideia no âmbito da Andifes aonde o governo solicitava que as universidades pudessem receber estudantes dessas outras etapas do ensino para complementar ou para reforçar a concepção ou ideia de escola em tempo integral. 

 

A princípio é uma ideia interessante, acho que a universidade tem uma responsabilidade com as outras etapas da educação. Nós já fazemos isso, como você mencionou, no “Espaço das Profissões” e outras atividades que nós temos feito em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Tecnológico da prefeitura, também com a Secretaria Estadual de Educação, ou seja, a universidade é aberta e já promove ações dessa natureza.

 

Precisamos agora, claro, conhecer melhor a proposta do governo e ver em que medida nós podemos colaborar. Eu antecipo que universidade de antemão não está fechada ao diálogo. Claro, a reflexão, a discussão interna vai trazer os elementos para ver a possibilidade ou não de contribuir e a forma como poderíamos contribuir. Colaborar com as outras etapas da educação, para nós, é bem-vinda como ideia. Claro que a gente precisa tomar cuidado com os instrumentos, com os objetivos e com os resultados disso.

“A universidade hoje ela é tachada ou rotulada com determinadas marcas que não condizem com a realidade da universidade. É claro que a universidade incomoda, a universidade é o lugar da crítica, da contestação”

berra lobo: Uma pergunta para o senhor como agrônomo. Como o senhor vê a política agrária do governo Bolsonaro, especialmente o fato de terem sido liberados 22 organismos geneticamente modificados e 410 agrotóxicos?

 

Professor Edward: De novo, nesse momento, por força do cargo e das atribuições, a gente não tem acompanhado com profundidade as questões ligadas ao meio rural. Claro que nos preocupa alguns produtos proibidos em outros países serem liberados aqui, isso nos traz preocupação.

 

Agora, nós acreditamos também nos órgãos de controle do estado brasileiro, que são estruturas de estado para além de governo, que devem fazer isso com responsabilidade. Então, não me sinto à vontade para opinar porque não me debrucei por esses sistemas, mas o Ministério da Agricultura a partir dos seus técnicos e das suas organizações, o Ministério da Saúde e outros agentes do estado devem proceder ao controle para segurança da população.

Então, nos preocupa a liberação indiscriminada de produtos, o que deve estar sempre à frente é a segurança da população, tanto de quem manipula os produtos quanto de quem consume os produtos da agricultura.

“O Ministério da Agricultura a partir de seus técnicos e das suas organizações, o Ministério da Saúde e

outros agentes do Estado devem proceder ao controle para segurança da população”

berra lobo: Uma última pergunta, uma pergunta mais geral mesmo. Considerando a educação um direito constitucional, que é o que estava no seu discurso, qual modelo de ensino público queremos, finalmente, com aqueles requisitos de gratuidade e de democracia no acesso? Existe uma forma, realmente, de afirmar a constitucionalidade da educação como direito nesse momento em que a Constituição está sendo colocada em dúvida?

 

Professor Edward: A gente espera que - de novo eu vou me socorrer das instituições, tenho que acreditar que as instituições do país serão fortes o suficiente para garantir primeiro o estado democrático de direito - a Constituição de 88 seja obedecida, seja cumprida, não seja violada. E aí é claro que os diferentes atores, as diferentes instituições precisam zelar por isso.

 

Então, o Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional, os órgãos de controle como um todo, o Ministério Público. E as instituições com credibilidade como as universidades devem entrar nessa discussão para que realmente a gente tenha garantido esses preceitos constitucionais que são fundamentais para construir uma sociedade na qual a gente acredita.

berra lobo: Ok, muito obrigado. O Portal Berra Lobo e a Magnífica Mundi agradecem à entrevista.

Professor Edward: Sempre à disposição. Foi um prazer falar com vocês e certamente teremos outras oportunidades para conversar, espero que com notícias boas, em 2020. 

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Foto: Leoncio Silva

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