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Por

RAFAEL
GOMES FERREIRA

CRÔNICA

Diário de uma manhã gloriosa

Olho

O relógio gritava. O escuro da madrugada não anunciava o nascer de um novo dia, mas sim a obrigação que começava antes do alvorecer. O som estridente e interrupto do despertador, não se compadecia daquela pobre alma com resquícios de cansaço, acumulado, em agonia. Em modo automático, da cama ao banheiro em passos rastejantes o banho de agua fria é o choque necessário de chuveiro queimado que o revolta, e informa a rotina que começa ás 4 horas e meia, de uma noite dispersa. O café amargo, bem que poderia estar preparado, evitando a fadiga, facilitando a vida.

 

Ao sair de casa ,na cidade vizinha ao seu destino, o olhar pela fresta do portão é altamente recomendado antes da partida, em razão do histórico de assaltos na região. Em passos acelerados, a caminhada até o ponto do primeiro ônibus do dia, parece uma eternidade. Ao chegar, pobres almas errantes o aguardam com um bom dia, mais assustado do que amigável. Entrando no ônibus, ao pagar a simples bagatela de R$3,00 se depara com o mal humor característico de todo cobrador de ônibus nesse horário, com todos os lugares ocupados e com uma pressa inexplicável por parte do motorista. Sem lugar pra sentar, seu corpo parece ainda não ter forças suficientes para manter-se em pé até o primeiro destino naquele transporte, ou da parte do motorista, esporte. Zonzo ao descer, cabe a ele se recompor  e torcer, para que o objeto de sua nova aventura rumo a outra cidade, não demore, pois tem hora marcada e acelerada para chegar.

 

O primeiro objeto de seu desejo naquele momento, passa sem parar, pensa que por sorte o segundo não há de decepcionar. Frustrado, ao se deparar com mais um ônibus que não se atreveu a parar, se sente amparado e compreendido pelos seus companheiros de espera ao lado ,com comentários agradáveis de desabafo e revolta, desnecessários. O terceiro, após uma breve espera nada maçante de 40 minutos - com o sol começando a iluminar - decide fazer um agrado e para, sem muito a considerar. A grande metrópole o espera, e o percurso é rápido, uma hora de sono, aperto e incomodo naquele banco tão bem planejado e confortável. A possibilidade de ler um livro para melhor o seu tempo aproveitar, até passa por sua cabeça, mas seus braços espremidos generosamente pelo companheiro de banco o impedem. Resta fechar os olhos, imaginar um lindo lugar, e imóvel (na medida do possível) descansar.

 

Em meio á poluição visual e sonora característica daquela grande cidade, o terminal o espera, com os braços abertos, ônibus confortáveis (novos e vazios) e um sorriso largo. Diante da realidade daquele momento, dentro dele, uma multidão o recepciona.  Compartilham do mesmo destino e realidade diária. Ir sentado, é privilégio para poucos e sorte de outros. Posicionado em frente ao Box que encostara o seu tão receptivo ônibus, uma  multidão o cerca. Olhos tristes e cansados, bolsas firmemente rentes ao seu corpo, e a esperança de conseguir sentar dentro do coletivo transparecendo em seu olhar. Quando a espera desse momento acaba e o motorista encosta, resta levantar os braços, rezar pela sorte do banco vazio e se jogar em meio as pessoas, que educadamente o empurram para dentro, em meio a cotoveladas, empurrões e desrespeito.

 

Como pode caber tanta gente dentro de um só lugar tão pequeno? Porque continua entrando mais e mais pessoas? Porque é tão difícil manter-se em pé? Porque uma nobre alma não cede seu lugar a esta senhora do lado? Porque não há ônibus suficientes para todos? São perguntas inevitáveis que faz diariamente nesse momento, enquanto novamente tenta transportar-se para outra realidade através do som que sai de seus fones de ouvido. Chegando finalmente ao seu destino, a Universidade, percebe que todas aquelas espremidas e educadas companhias, compartilham da mesma simetria. Ó doce agonia. Quanto tempo mais irá durar ele não sabe, mas o futuro exala promessas de alegria.

 

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